Uma pequena chama navegava tranquila sobre o óleo transparente da lamparina. A penteadeira, além da luz bruxuleante, exibia orgulhosa um vidro de perfume Diamante Negro, um pente de tartaruga, duas borboletas de porcelana azul e um velho almanaque do Biotônico Fontoura.
Era um quarto modesto: a cama encostada na parede branca, o colchão de palha coberto por um lençol amarelado pelo uso, um urinol ao lado e as roupas do dia anterior penduradas num prego atrás da porta.
– É no pé da máquina – dizia orgulhosa, referindo-se ao trabalho que sustentava o casal.
Justiça seja feita: ela era a melhor modista da cidade. Mas, se o fato de costurar bem lhe trazia fama e uma clientela generosa, o cansaço parecia vencê-la. Andava resmungando pelos cantos, sem ânimo sequer para frequentar, nos domingos à tarde, a casa de Dona Miúda, onde costumava tomar café com bolo e relembrar velhas histórias.
Sentia-se triste e solitária entre velhos e novos amigos. Até para ele, seu primeiro amor, já não narrava os causos da infância, as aventuras no pomar do avô e tudo o mais que antes alegrava sua vida simples.
Um dia, exausta de tudo, ergueu o olhar para as estrelas, numa noite sem lua, como se as contemplasse pela primeira vez. Então, soluçou baixinho, quase como numa ladainha, aqueles versos de criança que escrevera há muito tempo, numa noite parecida com aquela.
Sozinha, recitou-os em voz baixa até que, lentamente, eles se transformaram em palavras pequeninas e frágeis, como nuvens de letras. E, com asas leves de libélula, as palavras alçaram voo, ligeiras, em direção à Via Láctea.